Deus É Maior que Meu Câncer

Aprendendo a alegria na escuridão

"Não há nenhuma dúvida sobre o diagnóstico", disse o médico. Câncer incurável. Uma doença fatal. Eu tinha acabado de celebrar o meu décimo aniversário de casamento com minha esposa, e estávamos ocupados educando nossos filhos, os quais têm 1 e 3 anos.

Na semana seguinte, enquanto me preparava para a quimioterapia, minha esposa sorriu e me entregou um cartão feito à mão, brilhantemente colorido com lápis de cor e assinado por uma menina de quinze anos de idade com síndrome de Down de nossa congregação. Minhas lágrimas fluíram enquanto eu lia o começo:

"Fique bem logo! Jesus te ama! Deus é maior do que o câncer!"

Minhas lágrimas eram uma mistura de tristeza e alegria. Sim, Deus é maior do que o câncer, e maior do que o meu câncer! A menina da minha igreja não estava negando que o caminho do meu futuro parecia estar diminuindo, escondido sob a névoa de um diagnóstico. Mas ela testificou que Deus é maior: o Deus que se fez revelar em Jesus Cristo mostra-nos que "a luz brilha nas trevas, e as trevas não a derrotaram." (João 1:5)

Nas minhas lágrimas, eu apreciava o fato de que no corpo de Cristo, verdades teológicas não são mercadorias traficadas e controladas por professores de teologia como eu. Deus é maior do que o câncer, ponto.

 

Deus Me Deve 80 Anos?

Enquanto eu aprendia mais detalhes sobre o meu diagnóstico, eu percebi que de um dia para o outro o meu tempo estimado de vida diminuíra em décadas. Esta notícia reforçou a minha gratidão por cada respiração e o dom de cada momento — a oportunidade de abraçar os meus filhos, acalentar a minha esposa, trabalhar na minha vocação para a glória de Deus.

O câncer muda sua percepção da vida. Cada dia vem a nós como um presente da graciosa mão de Deus — se é o último dia de uma vida curta ou o primeiro dia de uma vida longa e saudável. Mas viver na realidade de que cada dia é um presente, também envolve vir a reconhecer uma dura verdade bíblica, que é profundamente contra a nossa cultura: Deus não é nosso devedor.

Certamente Deus não é caprichoso ou desonesto.Deus revelou-se gracioso em seus relacionamentos com a criação, com Israel, e mais plenamente, em Jesus Cristo. O Deus triúno se compromete à promessas da aliança que nos inclui, cobre, e mantêm em uma comunhão que o pecado e a morte não podem quebrar. Deus é fiel a essas promessas, cumpridas em Jesus Cristo.

Mas isso não significa que a vida é "justa", ou que estamos protegidos contra todos as presentes conseqüências do pecado e da morte. Deus não é nosso devedor. Ele não nos "deve" um certo número de anos da vida.

Cristo prometeu nunca nos deixar órfãos (João 14:18) — mas Cristo nunca nos prometeu o "sonho americano", uma aposentadoria confortável, ou que vamos mergulhar em todas as bênçãos esperadas do que achamos ser uma vida "normal".Cada dia é uma dádiva. Cada ano é um presente. Cada década, para cada um de nós, é um dom que vem gratuitamente da mão de Deus, não do nosso direito de viver uma vida "normal" ou um específico tempo de vida. A "vida abundante" que Cristo oferece não é medida pelo comprimento desta vida. (João 10:10)

 

Gemendo Diante do Senhor

No entanto, mesmo se Deus não me "deve" um determinado período de vida, as questões contundentes são inevitáveis: Por que Deus iria tirar o pai dos meus filhos no meio de sua infância?

Eu assisti outros morrerem. Eu conheci um paciente com câncer cuja família orou e orou para a sua cura. Mas a sua cura não veio — e a morte veio antes que todos esperassem. Seu caminho de sofrimento parecia sem sentido. Era esse o caminho que eu estava destinado a andar?

Além disso, durante anos minha esposa e eu oramos para termos filhos. E as nossas preces foram atendidas. Mas com qual objetivo? Deus estava brincando conosco? Junto-me ao salmista em lamento:

No meio da minha vida ele me abateu com sua força; abreviou os meus dias.Então pedi: 'Ó meu Deus, não me leves no meio dos meus dias. Os teus dias duram por todas as gerações!'

(Salmos 102:23-24)

Através dos Salmos, Deus me deu um meio de trazer a minha raiva e confusão para a sua presença. Vez após outra, na oração em grupo e pessoal, eu comecei a ver como meu sofrimento é parte de um contexto muito maior — porque Deus é maior do que o câncer.

 

Esperando o Suficiente para Lamentar

Não foi me dada uma resposta mágica a respeito de por que Deus permitiu que o câncer me atingisse. Eu ainda não sei o que o futuro reserva. Mas os Salmos abriram um caminho para eu descansar nas mãos do Todo-Poderoso, se deliciar em sua obra, mesmo quando é uma obra estranha, uma obra árdua na estrada do sofrimento.

Nos momentos de angústia mais sombrios, o salmista nos mostra que Deus aceita nossos lamentos mais crus: "Mas eu sou verme, e não homem, motivo de zombaria e objeto de desprezo do povo." (Salmos 22:6) .Nós já nos sentimos alienados, irritados, e confusos? O salmista também já se sentiu assim. E a profundidade de nossa angústia foi esgotada no sofrimento, morte e ressurreição de Jesus Cristo, o qual se juntou com o salmista no lamento: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" (Salmos 22:1)

Mas, mesmo na escuridão, os Salmos são atravessados pela esperança, porque as promessas da aliança de Deus estão sempre no centro. Enquanto alguns Salmos são cânticos de louvor exuberantes, sendo em sua totalidade uma exultação de que Deus é verdadeiramente o que ele promete ser, muitos outros Salmos, como o que Jesus ora na cruz, são salmos de lamento.

No entanto, mesmo a escuridão deste grito angustiado de lamento aponta para a promessa de Deus: " Meu Deus, meu Deus." Mesmo quando ele se sente abandonado, o salmista traz o seu fardo diante do Todo-Poderoso. "Por que me abandonaste?" Somente aqueles que sabem que   pertencem  a Deus podem fazer esta pergunta a Ele. Deus promete que ele não vai abandonar ou esquecer o seu povo (Salmos 94:14). Assim, é um ato de confiança e de esperança lamentar — relembrar a Deus esta promessa quando as coisas parecem desoladas, quando a promessa de Deus parece estar vazia.

Desta forma, o lamento não é apenas "desabafar" em direção a Deus, despejando nossas emoções sobre ele. É trazer a nossa confusão, raiva e até mesmo protestar perante o Todo-Poderoso, permitindo que o Espírito remodele nossas vidas e sentimentos à imagem de Cristo, e todos na segurança da esperança centrada em Deus.

 

Uma Alegria Maior do que o Câncer

No centro da revelação divina não existe um segredo sobre como viver uma vida longa, auto-suficiente e segura. Nós estamos unidos a Cristo pelo Espírito para seguir o caminho do Senhor crucificado. Neste caminho, nós não buscamos o sofrimento como um fim em si próprio, mas nós esperamos que o Deus de Jesus Cristo seja ativo nos lugares mais improváveis: no caminho de sofrimento, em um caminho escondido da luz da glória mundana. Somos um povo que tomamos nossas cruzes para seguir a Cristo.

E este não é um Caminho sem Alegria.

Em vez disso, quando seguimos o caminho de oração com o salmista, nós derramamos lágrimas de alegria e celebração, bem como lágrimas de lamentação. Lamentar e esperar em Deus com o salmista é uma prática que vai contra a nossa cultura consumista. Ao invés de nos mergulharmos em autossatisfação ou autopiedade, nestas épocas de tristeza nós encontramos nossos sentimentos remodelados por Deus — nos alegramos com o que Deus se alegra, ficamos aflitos sobre o que aflige Deus. É uma alegria que é maior do que o câncer.

Os Salmos estão fazendo isso por mim, fixando os meus olhos nas promessas de Deus e nos seus poderosos atos — no passado, e nas incríveis bênçãos da vida e da respiração que tenho em cada momento. Na verdade, apesar de nos juntarmos ao Espírito em luto pela corrupção da criação de Deus, através de tragédias como o câncer, podemos esperar que uma vez que nosso Senhor foi crucificado e ressuscitou, e quebrou o poder da morte, ele pode trabalhar mesmo em meio ao que parece ser um sofrimento sem sentido em nossas vidas.

Por agora, alegria e lamento caminham juntos em nossas vidas. Enquanto nós clamamos a Deus "das profundezas", nós também confiamos que "no Senhor há amor leal e plena redenção."(Salmos 130: 7)

E enquanto nós caminhamos o caminho com a forma da cruz de Cristo, vamos continuar a gemer com o Espírito até a volta de Cristo (Romanos 8:23). Nós gememos e também nos gloriamos com os salmistas no fiel amor de Deus.Porque Deus é maior do que o câncer.

 

Referências

Por J. Todd Billings. By John Piper. ©2015 Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Original: http://www.desiringgod.org/articles/god-is-bigger-than-my-cancer

Tradução: Kellvyn Mendes

J. Todd Billings (@jtoddbillings) é o Gordon H. Girod Research Professor of Reformed Theology no Western Theological Seminary. Ele é o autor de diversos livros, incluindo, o mais recente, uma reflexão teológica sobre a providência e lamento com base no seu dignóstico de câncer em 2012, com o nome, Rejoicing in Lament: Wrestling with Incurable Cancer and Life in Christ (Brazos Press). Ele vive em Holland, Michigan com sua esposa e seus dois filhos pequenos.

Texto de J. Todd Billings.
Traduzido por Kellvyn Mendes.

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