Os textos que hoje compõem a Bíblia levaram mais de mil anos para serem escritos por completo e tiveram diversos autores em três idiomas (hebraico, aramaico e grego). Até hoje quando lemos textos de apenas 100 anos atrás temos algumas dificuldades de compreender a escrita, você consegue imaginar as diferenças entre os textos bíblicos?
Uma primeira informação muito importante é que a Bíblia se parece mais com uma biblioteca do que com algum outro livro qualquer. Ela é, na verdade, uma coletânea de 66 livros (no próximo texto discutiremos um pouco mais sobre as divisões que a Bíblia apresenta), e mesmo esses livros diferem entre seus autores, sendo alguns, inclusive, escritos por mais de uma pessoa. A lista a seguir foi elaborada por John Piper1 e nos ajuda a perceber isso2:
Assim, temos ao menos trinta e cinco autores. Além disso, existem dez livros na Bíblia que não sabemos quem são seus autores, como os livros de Jó e Ester e a carta aos Hebreus. Alguns estudiosos se esforçam para identificar os possíveis autores para esses textos, mas não podemos afirmar com certeza nenhuma das hipóteses.
Grande parte desses autores estavam inseridos na cultura hebraica e diretamente ligados ao judaísmo. Existem, porém, inúmeras discrepâncias entre eles. Enquanto Moisés, por exemplo, foi o líder responsável por guiar o povo israelita em uma peregrinação através do deserto (Deuteronômio 2.1), Salomão foi um rei sábio e responsável pela construção de um Templo colossal que tinha a parte interna revestida de ouro (1 Reis 6.22). Enquanto Paulo era um homem culto capaz de debater e discursar no grande centro de debates da filosofia grega (Atos 17.19), Pedro foi um humilde pescador que se tornou pregador (Mateus 4.22).
Além dessas diferenças sociais, é importante notar a discrepância histórica entre os autores e seus livros. Como dito acima, a Bíblia levou mais de mil anos para ser escrita, isso faz com que os contextos históricos entre seus autores sejam completamente divergentes entre si. Por exemplo, enquanto o profeta Jeremias profetizou que o povo hebreu seria derrotado e exilado pelos babilônios (Jeremias 25), os livros de Esdras e Neemias narram o retorno do povo depois de setenta anos de exílio e a reconstrução da sua cidade que havia sido destruída. Enquanto Isaías profetizou a vinda futura do Messias (Isaías 9.6-7), Pedro escreveu cartas encorajando seus leitores a perseverarem diante das perseguições que sofriam por crerem que a profecia já havia se cumprido em Cristo e o Messias esperado havia chegado (1 Pedro 4.13).
Essas diferenças entre os autores deixam marcas em seus escritos. Alguém que tem um pós-doutorado, por exemplo, utilizará uma linguagem diferente de um aluno de ensino médio, mesmo que ambos estejam escrevendo sobre o mesmo assunto. O apóstolo Pedro, por exemplo, fala aos seus leitores que as cartas de Paulo “contêm algumas coisas difíceis de entender” (2 Pedro 3.16).
Diante dessa multiplicidade de autores e contextos históricos, porém, existe uma característica que une toda a Bíblia: O Autor Divino. Como já dissemos em textos anteriores, Deus inspirou cada uma dessas pessoas para que eles escrevessem exatamente aquilo que Ele quis. Isso faz com que, mesmo que cada um deles vivessem em momentos históricos diferentes, com culturas e educações distintas entre si, ainda existe uma unidade na Bíblia.
Os próprios autores reconhecem essa unidade quando confirmam que os outros foram inspirados e falavam do próprio Deus, - e pela boca do próprio Deus - citando trechos das Escrituras:
Tu falaste pelo Espírito Santo por boca do teu servo, nosso pai Davi: ‘Por que se enfurecem as nações, e os povos conspiram em vão? Os reis da terra se levantam, e os governantes se reúnem contra o Senhor e contra o seu Ungido’.
Atos 4.25,26
Jesus cita textos das Escrituras como sendo palavras do próprio Deus, como, por exemplo, ao citar Gênesis 2.24 em Mateus 19.3-5:
E disse: ‘Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne’?
Mateus 19.5
Porém, a revelação de Deus, ainda que por meio de todos esses autores, se deu de forma progressiva. O que Moisés sabia sobre Deus e o seu plano em 1000 a.C. não se compara com o que Paulo sabia 1000 anos depois; uma vez que, na época de Paulo, Deus já havia dito/revelado muitas outras coisas sobre Si e Seu plano por meio de outros homens.
Contudo, a despeito da progressividade da revelação, o que Deus revelou aos primeiros autores, não foi diferente em conteúdo do que ele revelou aos últimos. Na verdade, toda a Escritura fala de uma mesma grande narrativa do início ao fim: A Mensagem do Evangelho (sobre a qual falaremos em textos futuros):
Foi a respeito dessa salvação que os profetas que falaram da graça destinada a vocês investigaram e examinaram, procurando saber o tempo e as circunstâncias para os quais apontava o Espírito de Cristo que neles estava, quando lhes predisse os sofrimentos de Cristo e as glórias que se seguiriam àqueles sofrimentos. A eles foi revelado que estavam ministrando, não para si próprios, mas para vocês, quando falaram das coisas que agora lhes foram anunciadas por meio daqueles que lhes pregaram o evangelho pelo Espírito Santo enviado do céu; coisas que até os anjos anseiam observar.
1 Pedro 1:10-12
Dessarte, ainda que diversos homens tenham contribuído para a redação da Bíblia, Deus é o seu grande Autor. Ele é o responsável pela unidade da Bíblia. Ele usou esses homens para revelar a Si e ao Seu plano para a humanidade.
Há muito tempo Deus falou muitas vezes e de várias maneiras aos nossos antepassados por meio dos profetas, mas nestes últimos dias falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas e por meio de quem fez o universo
Hebreus 1:1,2
1 Disponível em https://www.desiringgod.org/interviews/who-wrote-the-bible. Acesso em 02 de abril de 2021.
2 Há divergência entre estudiosos em alguns detalhes apontados na lista, mas ela serve como um bom exemplo aqui.
